Com parceria entre IPAM, COIAB e Rainforest Alliance, “Alerta Indígena Covid-19” monitorou ameaças às terras indígenas durante a pandemia e ajudou a reduzir subnotificação de casos
Os povos indígenas estão entre os grupos mais afetados pela atual pandemia de Covid-19 no Brasil. No entanto, a subnotificação de casos e de mortes entre eles nas estatísticas oficiais do governo brasileiro deixava ainda mais explícito o cenário de desalento e a urgência por medidas necessárias para evitar um verdadeiro genocídio dessas populações.
Assim, o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) somaram forças, com o apoio da Rainforest Alliance, para mapear esses casos e detectar o que estava acontecendo, de fato, com eles. O objetivo principal da iniciativa era retratar um cenário mais próximo da realidade, com as efetivas taxas de incidência e mortalidade da doença entre esses povos da Amazônia brasileira. Outra necessidade abarcada pelo grupo foi a de monitorar as ameaças externas que podem contribuir para a disseminação da doença em terras indígenas.
Da proposta, nasceu o aplicativo Alerta Indígena Covid-19, que acabou fazendo frente à inconsistência do poder público em dar respostas imediatas capazes de evitar mais casos e um maior risco de mortes entre os indígenas. Até agora, a iniciativa impactou pelo menos 518 mil pessoas.
Lançado no segundo semestre do ano passado, o app está em fase de expansão para ampliar a divulgação da diferença entre os dados expedidos pelo governo federal e aquela detalhada pela COIAB e seus parceiros, em relação à Covid-19 entre os povos indígenas. Em outubro de 2020, por exemplo, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) chegou a registrar 22.127 casos e 330 mortes, enquanto, pelos números da COIAB, eram registrados 25.356 casos confirmados e 670 mortes, indicando uma subnotificação de 14% e 103%, respectivamente. Da mesma forma, as taxas de incidência e mortalidade foram 136% e 110% maiores entre os indígenas quando comparadas com a média nacional.
Covid-19 entre indígenas está ligada a queimadas, grilagem e garimpo
A ação da COIAB e do IPAM identificou ainda uma correlação direta entre a incidência de casos entre os indígenas e práticas ilegais, como desmatamento, grilagem e garimpo. A diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, conta que o instituto realizava um estudo para ser publicado em forma de artigo e nota técnica, com informações técnico-científicas sobre a situação nos territórios indígenas. O trabalho, desenvolvido já desde o início da pandemia, trataria das ameaças de mineração ilegal e invasão de terras, mesmo durante a pandemia, e como aquelas situações poderiam ser um risco para o aumento de queimadas e avanço do desmatamento.
“Marcamos uma reunião com a COIAB, e a Valéria Paye [da COIAB], que estava responsável por receber todas as informações de indígenas acometidos pela Covid, e os óbitos entre eles, ficou emocionada com a situação – aquilo nos mobilizou”, afirma.
Segundo a diretora do IPAM, Valéria criou uma rede via WhatsApp pela qual recebia, de lideranças indígenas e organizações parceiras, as informações sobre os casos da doença nos territórios. Com elas, elaborou uma planilha com os números. O IPAM entrou com a ideia do aplicativo como uma fonte de coleta de dados para facilitar a sistematização dos dados. A nota técnica foi lançada em junho, e o aplicativo ficou pronto pouco mais de dois meses depois.
Para a assessora técnica da COIAB, Nayra Kaxuyana, o aplicativo foi um bom ponto de partida. Agora estamos trabalhando para consolidar o painel “Alerta Indígena Covid-19”, que além do monitoramento dos casos e óbitos, também vai apresentar as informações sobre vacinação dessa população. “Sabemos que a informação pode salvar vidas e, com o apoio do IPAM, desenvolvemos uma ferramenta eficiente para monitoramento e prevenção dessa doença”, afirma, em publicação no site da entidade.
Aplicativo se transformou em plataforma de análise de dados
Agora, com o avanço da vacinação nos territórios – uma vez que os povos indígenas estavam entre os grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização –, o aplicativo se tornou uma plataforma. Indo além da coleta de dados, o app agora tem auxiliado no engajamento sobre acesso a saúde.
“Agora é muito mais uma necessidade de saber o impacto da pandemia em determinados lugares, com uma visão mais analítica. Conseguimos auxiliar na redução da subnotificação de casos, o que, no início, era muito grave e fundamental para chamar atenção para o problema”, diz.
Atualmente, a COIAB é quem operacionaliza a plataforma, e cabe ao IPAM auxiliar na análise dos dados, depois de ter desenvolvido o aplicativo e a plataforma.
Em dezembro do ano passado, o Alerta Indígena Covid-19 foi uma das 30 iniciativas que receberam o Prêmio Empreendedor Social do Ano, promovido pela Folha de São Paulo e a Fundação Schwab. A edição do prêmio destacou ações de resposta à pandemia.
Na ausência do governo, parceiros na sociedade civil somam forças
A diretora de Ciência do IPAM enalteceu a parceria da Rainforest Alliance na iniciativa. Ane ainda defendeu que apoios do tipo sejam cada vez mais estimulados, até como forma de mitigar a falta de atuação do Estado em prol daqueles que mais necessitam de assistência.
“A sociedade civil organizada, na ausência do governo, se estrutura para gerar seus próprios números, assim como o consórcio de veículos de imprensa tem feito”, compara. “E a Rainforest Alliance é um parceiro sensível a essas causas. No nosso projeto, o objetivo era elaborar apenas uma nota técnica com o resultado do nosso estudo sobre o impacto da pandemia nas terras indígenas. Mas por termos o apoio de parceiros como a RA, somado à nota e à discussão sobre o que levantamos, conseguimos desenvolver uma ferramenta específica para isso”, define.
“Essas entidades precisam continuar recebendo apoios – isso gera também instrumentos de luta pelos direitos à saúde e produz conhecimento científico. Mas é importante que os apoiadores de fato contribuam com aquilo que está sendo necessário – como ocorreu conosco pela elaboração do aplicativo”, conclui.