Sempre falamos que a agricultura só é verdadeiramente sustentável quando aspectos econômicos, ambientais e sociais são levados em conta. E o negócio atinge um outro patamar de responsabilidade ao avaliar o impacto não apenas na sua fazenda ou fábrica, como também na comunidade do seu entorno.
Mas se os benefícios econômicos e ambientais da sustentabilidade podem ser mais conhecidos, o pilar social — dedicado ao bem estar dos trabalhadores e da comunidade — pode ter um papel crucial na formação da cultura da empresa e até no desempenho do negócio.
“Três coisas fizeram a gente dar certo: a prioridade na qualidade das frutas, as parcerias com os clientes europeus e a valorização dos funcionários”, explica Paulo Dantas, presidente da Agrodan, a maior produtora e exportadora de mangas do Brasil, com 31 milhões de quilos produzidos em 2020. A empresa é parceira certificada Rainforest Alliance desde 2017.
Agrodan começou a sua operação em 1987, quando Paulo Dantas se juntou ao irmão Jairo para tornar produtiva a fazenda da família, localizada em Belém do São Francisco, no sertão de Pernambuco. Se hoje a companhia tem sete fazendas num total de 1.100 hectares, o empreendimento familiar (os pais cuidam do administrativo) já foi bem desacreditado. Além dos irmãos não terem experiência no campo, a dupla pegou um empréstimo no banco indexado à inflação, que, na época, vivia na casa dos dois dígitos e batia altas recordes toda semana.
Gestão centrada nas pessoas cria cultura de valorização dos funcionários
“Em 1991, conseguimos quitar a dívida com o banco e passamos a dividir o lucro da empresa com os funcionários, dos gerentes do escritório até a equipe do campo. Queríamos dar valor a todas as pessoas que tinham ajudado a empresa a crescer, e isso fez com que elas realmente vestissem a camisa da Agrodan”, relembra. Atualmente, o orçamento anual da empresa reserva 10% para a divisão de lucros entre os 1.500 funcionários. Em 2020, apesar da pandemia, houve um aumento na demanda por mangas, o que fez a distribuição de lucros chegar a quase dois salários.
A companhia é dividida em 150 times operacionais, cada um com o seu conjunto de metas, produtos, clientes e fornecedores. As metas e resultados são coletivos, para incentivar o sentimento de equipe. Por isso, Dantas descreve a Agrodan como sendo “focada em resultado, mas com gestão dedicada às pessoas”.
O que poderia ser apenas um bonito slogan, faz parte do dia a dia das fazendas. Além da divisão dos lucros, os funcionários podem contar com uma agenda de treinamentos e cursos de qualificação técnica — que incluem avaliações com média 8 para aprovação. Outra iniciativa é o projeto Sugestão de Melhoria, que busca incentivar funcionários de todos os níveis a colaborar com o aperfeiçoamento da empresa. As ideias coletadas vão desde ajustes simples, como o desenvolvimento de novas ferramentas que trazem maior conforto e segurança, até novos processos que contribuem com maior agilidade nas entregas e impacto nos lucros. “Quem sabe mais sobre a operação não é o gerente que fica no ar condicionado o dia todo, mas sim o funcionário que tá lá no campo”, comenta Dantas.
Jornada de sustentabilidade começou por sugestão de parceiros comerciais
O olhar atento destinado à equipe também está presente em outras áreas de empresa, como na otimização da operação e na relação com os clientes, em especial, os da Europa. Com maior estabilidade econômica nos últimos anos, os varejistas europeus estiveram mais propensos a negociar valores e condições de contrato que permitiam a operação da empresa, mesmo em momentos de baixa nos preços internacionais.
Foram os clientes também que apontaram os benefícios das certificações para a Agrodan, que passou a investir neste processo ainda na década de 1990. A ênfase, então, era maior no respeito aos direitos dos trabalhadores e na responsabilidade social. Em 2017, a empresa conheceu o trabalho da Rainforest Alliance e estipulou um desafio para a equipe: conseguir ser aprovado pela certificação num período de três meses. “Nós sabíamos que a Rainforest Alliance tinha um olhar mais rígido também para o pilar ambiental. Por isso, visitamos um produtor de uva já certificado para entender melhor as adaptações e corremos atrás de organizar tudo para a auditoria”, recorda Dantas.
As melhorias realizadas incluem um centro gestão de tratamento de resíduos sólidos, uma estação de efluentes domésticos, 689 hectares de reserva particular de patrimônio natural e um viveiro com capacidade de produção de até 30 mil mudas nativas, usadas no reflorestamento de diferentes áreas vizinhas à fazenda sede.
Certificação de sustentabilidade traz maior respeito aos produtos
“Conquistar a certificação da Rainforest Alliance abriu novas portas para os nossos produtos, e percebemos que ganhamos um novo grau de respeito lá fora. E para nós faz muito sentido ter o selo RA nas nossas frutas porque mostra que a gente faz o que é certo, que somos uma empresa que visa o lucro ao mesmo tempo que protegemos as pessoas e o meio ambiente”, comenta o empresário.
A principal diferença trazida pela certificação para a Agrodan foi uma evolução na gestão de recursos, principalmente com o melhor uso da água e a redução dos agroquímicos. Uma das bases do pilar econômico da sustentabilidade, a otimização da operação costuma gerar redução de custos, o que no caso da Agrodan contou com o apoio da tecnologia.
O monitoramento da população de mosca da fruta nos pomares, por exemplo, é feito a partir da instalação de pequenas armadilhas conectadas a um sistema, que emite um alerta quando é detectado um aumento na quantidade de insetos. Dessa forma, a pulverização de agroquímicos em grandes áreas foi sendo substituída por aplicações pontuais, apenas onde há maior incidência da praga. O resultado foi uma conquista em dobro — além de custos menores, também foi registrada uma melhoria da qualidade das frutas.
Impacto positivo na comunidade com a construção de escola
O ímpeto de melhoria não se limitou à operação. Ao analisar os projetos sociais da Agrodan fica evidente como a empresa entendeu o seu potencial de impacto positivo nas comunidades vizinhas. Tanto que outros 10% do orçamento anual é dedicado a obras sociais, divididas entre ações de educacionais, ambientais e culturais.
A principal iniciativa é, sem dúvida, a Escola Professora Ondina Roriz Dantas, inaugurada em 2018. “As escolas da região estavam muito precárias. Uma delas tinha apenas 3 salas, com alunos de diferentes idades misturados. Em 2016, conheci um casal dono de escolas no Recife e começamos a conversar sobre uma parceria”, conta Dantas, que supervisiona de perto do projeto.
Construída com um orçamento de R$ 2,8 milhões, vindos em sua maioria da Agrodan e também de doações de parceiros comerciais e amigos, a escola atualmente atende 265 crianças entre 3 e 13 anos com aulas gratuitas em período integral. Apenas 20% dos alunos são filhos de funcionários — o restante são crianças de quatro municípios vizinhos à fazenda sede. O transporte escolar e quatro refeições diárias garantem a frequência dos alunos, que contam com aulas que vão além da grade curricular pública, como robótica, artes, música e inglês. A cada ano, uma nova série é adicionada à escola, para garantir o ensino básico completo aos alunos mais velhos.
Futuro inclui novos projetos sociais e melhorias ambientais e operacionais
Com a pandemia, Dantas foi atrás de novas parcerias para evitar que as crianças perdessem os estudos. Com um provedor de internet, conseguiu instalar wi-fi na casa de todos os estudantes, enquanto a Fundação Banco do Brasil cedeu notebooks e tablets.
E o envolvimento de Dantas com educação não se limitou às crianças. Seus próximos projetos incluem aulas para os adultos com o objetivo de erradicar o analfabetismo na zona rural no entorno da Agrodan e o lançamento de um curso técnico de TI até 2023.
Para o futuro dos negócios, a empresa quer seguir investindo na melhoria contínua. Na pauta, estão um projeto de avaliação da geração de carbono da operação e iniciativas junto aos importadores para reduzir a perda de frutas, reduzindo o desperdício. “Também estamos pensando em organizar algum tipo de competição entre as fazendas, tipo para ver qual usa menos água por quilo de manga produzida. Não gosto é de me arrepender de não ter tentado fazer as coisas de um jeito melhor”, finaliza Dantas.